Mistério das estrelas “em falta” no centro da Via Láctea intriga cientistas

Os cientistas estão intrigados com a ausência de estrelas a uma certa distância do buraco negro supermassivo Sagittarius A*, no centro da Via Láctea. Segundo a teoria, elas deveriam estar lá, mas no lugar existe apenas uma “zona proibida”. Agora, dois novos estudos tentam explicar como isso é possível.

Próximo ao Sagittarius A*, existe um aglomerado de estrelas conhecido como SSC (sigla para S-Star Cluster), cujos membros se chamam simplesmente “estrelas S”. Elas são importantes para os cientistas estudarem como os buracos negros supermassivos nos centros das galáxias influenciam seus arredores. No entanto, algumas delas estariam faltando e não há nenhum mecanismo físico que explique o motivo.

Na região ao redor do buraco negro, uma área extremamente hostil, existem pelo menos 200 estrelas já detectadas, algumas das quais os astrônomos observam para determinar órbitas e, assim, aprender mais sobre o comportamento de objetos próximos ao núcleo galáctico.

Cientistas também procuram por padrões em suas órbitas para descobrir detalhes sobre o buraco negro em si. Aliás, foi graças ao monitoramento de algumas dessas estrelas, as chamadas estrelas S, que Reinhard Genzel e Andrea Ghez conseguiram confirmar que existe mesmo um buraco negro supermassivo no centro da Via Láctea — um trabalho que lhes rendeu o prêmio Nobel da Física.

Mas os mistérios continuam, e um deles é a ausência de estrelas na chamada “zona de evasão”. A teoria diz que estrelas nos arredores do Sagittarius A* deveriam ter uma distribuição aleatória nas formas de suas órbitas, porém as estrelas S simplesmente ignoram essa regra. Além disso, elas não existem na zona de evasão e ninguém sabe por quê.

Mistérios nos discos de estrelas

Um grupo de físicos — que, por sinal, conta com o próprio Reinhard Genzel — publicou um estudo tentando abordar o problema. Eles examinaram as órbitas das 50 estrelas S conhecidas para procurar por padrões e encontraram uma correlação entre a distância de cada estrela do centro galáctico e a forma de sua órbita.

Essencialmente, quanto mais próxima uma estrela está do centro da galáxia, mais excêntrica (ou seja, oval) é sua órbita. Isso contraria o modelo que sugere uma distribuição de órbitas aleatórias e os cientistas estão realmente intrigados. Não foi detectada nenhuma estrela com órbitas circulares — e se existisse alguma, seria a mais fácil de encontrar.

O mistério vai além: os astrônomos destacam no artigo que estrelas individuais se formam em núcleos de nuvens moleculares com raios a partir de 0,1 pc (cerca de 0,3 ano-luz), o que é maior do que todo o aglomerado SSC. Então, como 50 estrelas S se formaram em uma região tão compacta?

Por fim, a já mencionada ausência de estrelas em uma espécie de “buraco”, que fica em um disco ao redor do buraco negro, também traz perguntas sobre a origem do SSC. A zona de evasão coexiste com as estrelas S e as demais 200 estrelas do núcleo galáctico, todas com idades muito semelhantes. Segundo os autores, isso é uma evidência de que o SSC e a população de estrelas no disco podem ter a mesma origem.

Qual a origem das estrelas S?

A equipe apresentou algumas possibilidades, citando estudos anteriores, incluindo a hipótese de que dois discos de estrelas massivas se formaram há 6 milhões de anos, orbitando o Sagittarius A*, a partir de uma ou mais nuvens. Outra ideia é poderia existir outro buraco negro companheiro, de massa intermediária, que teria aquecido o disco de estrelas e gerado essas características orbitais estranhas (essa proposta será explorada pela equipe em um segundo artigo).

Outro cenário é o chamado mecanismo de Hill, pelo qual estrelas massivas binárias geradas no ambiente maior (o disco mais externo) ao redor do buraco negro foram separadas por algum processo, levando algumas para tão perdo do Sagittarius A* que elas acabaram se separando de suas companheiras binárias. Normalmente, a estrela mais massiva é a que entra em uma órbita estreita ao redor do SMBH, enquanto a outra companheira pode até ser ejetada para longe da galáxia.

Um detalhe interessante sobre essa hipótese é que, de fato, algumas estrelas de hipervelocidade foram detectadas no halo galáctico (a área ao redor da Via Láctea) e estudos indicaram que elas “nasceram” no centro da galáxia. Por outro lado, o mecanismo de Hill pode explicar apenas as órbitas atuais das estrelas S mais próximas ao buraco negro, ou seja, outras estrelas em distâncias maiores permaneceriam sem explicação.

Os autores também mostraram que o fator tempo também pode explicar a ausência de estrelas na região de evasão. Em outras palavras, pode ser que os astrônomos não detectaram nenhuma estrela por lá porque simplesmente não houve um intervalo de tempo longo o suficiente para isso. Se este for o caso, pode ser que no futuro novas estrelas S em órbitas mais excêntricas apareçam nessa região.

Longe da resposta

De qualquer forma, essas explicações podem não funcionar para todos os detalhes apresentados no estudo, alerta Andreas Burkert, autor principal do artigo. “A zona de evasão tem um limite superior muito nítido”, explica. “É como se algo proibisse as estrelas de entrar na zona, ou as que entram na zona fossem destruídas”.

Embora o estudo trate de algumas hipóteses, Burket é enfático ao afirmar que “não há nenhuma razão conhecida para que não haja nenhuma dentro da zona de evasão”. Com algum ceticismo, ele diz que essas ideias “não precisam mais competir porque não funcionam. Ainda não sabemos direito o que é. Acho que essa é a parte mais emocionante”, conclui.

O estudo está disponível no repositório arXiv.org e aguarda revisão de pares.

Fonte: arXiv.org, NewScientist


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