Até algumas décadas atrás, pensava-se que o início absoluto do universo foi um Big Bang de densidade infinita concentrada em um único ponto — ou seja, uma singularidade. Acontece que, hoje, essa concepção mudou, mas ainda há certa dificuldade em difundir as teorias vigentes sobre a origem de tudo.
O Big Bang foi uma previsão teórica do início da década de 1900, após uma sucessão de descobertas incríveis, como a expansão do universo. Por volta de 1927, Georges Lemaître chegou à conclusão (que hoje parece bastante óbvia, mas ainda era um contra-senso na época) de que, se retrocedermos no tempo, o universo em expansão se tornaria compacto.
Extrapolando essa volta ao passado até o início dos tempos, e sabendo que o tempo e o espaço são a mesma coisa, conforme demonstrou Einstein, é fácil concluir que o tempo “zero” do universo era também de um espaço de tamanho “zero”. Em outras palavras, há 13,7 bilhões de anos (idade do universo), tudo estava compactado em um ponto singular.
A singularidade é um assunto incômodo para os físicos, pela sua própria definição: um ponto singular de densidade infinita e tamanho infinitesimal, menor e mais massivo do que qualquer lei da física poderia permitir. O problema é que a Teoria da Relatividade Geral permite a existência desses objetos controversos, por isso muitos físicos trabalharam para demonstrar como eles poderiam se formar dentro de estruturas extremamente densas, como buracos negros.
Por esse mesmo motivo, os cientistas se convenceram por boa parte do século XX de que o Big Bang nasceu de uma singularidade, na qual toda a matéria e energia existentes em nosso cosmos estariam compactadas. Se buracos negros também pareciam ser uma singularidade, é tentador imaginar o Big Bang como “a mãe de todos os buracos negros”.
Então, em algum momento, algum mecanismo fez essa singularidade expandir, liberando toda essa matéria e energia para formar o universo. Isso também levou muitos físicos, como Stephen Hawking, a cogitar que o universo seria cíclico: um dia, a energia escura responsável pela expansão do universo acabará e a gravidade fará tudo colapsar de volta em uma singularidade. Essa ideia é conhecida como Big Chunch.
O Big Bang não era um buraco negro
Hoje, embora o Big Bang ainda seja factível e verificável por observações, os físicos têm outra noção sobre o início do universo. Na década de 1980, a ideia da inflação cósmica surgiu como proposta para responder algumas questões que o Big Bang não podia explicar, e funcionou. Desde então, o modelo da inflação cósmica é cada vez mais aceito no meio científico.
Essa teoria mostra que, antes do Big Bang, houve um período inflacionário que serviu de “preparo” para o que viria em seguida. Nessa época, o universo se expandiu exponencialmente, em ritmo altamente acelerado, configurando todos os elementos pré-existentes — como os campos quânticos e suas flutuações — e “esticando-os”. Aqui é onde as coisas ficam interessantes, porque essas configurações iniciais podem ser observadas ainda hoje.
O modelo do Big Bang com uma singularidade mostra um universo que simplesmente “nasceu” com esse conjunto de configurações e flutuações quânticas. No modelo inflacionário, o Big Bang surge apenas após o período da inflação cósmica, que deixou as flutuações quânticas iniciais “impressas” no universo à medida que ele evoluiu.
Essas flutuações quânticas são geradas nas menores escalas e esticadas para escalas maiores pela inflação cósmica, formando as imperfeições observadas na radiação cósmica de fundo (a luz fóssil do Big Bang). Ou seja, as imperfeições já haviam sido semeadas por flutuações quânticas antes do Big Bang.
Se isso for verdade, há duas implicações para o Big Bang: ele não é o início de tudo e, definitivamente, não é um buraco negro, muito menos uma singularidade. Claro, há 13,7 bilhões de anos ele ainda era incrivelmente pequeno — no tempo 10⁻³⁵ segundos após o Big Bang, ele tinha apenas 1,5 metro. Ele já possuia toda a matéria/energia (ambas são manifestações diferentes da mesma coisa) que vemos hoje, então, com esse tamanho ínfimo, a densidade certamente colapsaria em buraco negro.
Mas isso não podia acontecer com o Big Bang, pois a formação de um buraco negro depende também de um espaço de densidade insignificante ao redor para que a gravidade entre em ação. Se a densidade for a mesma em toda a parte, não há diferenças gravitacionais e, portanto, nenhum colapso em buraco negro.
Isso significa o seguinte: no modelo do Big Bang inicial, o “buraco negro” estaria literalmente em meio ao nada, já que todo o espaço e o tempo estavam compactados juntos de toda a matéria do cosmos, naquele ponto singular de tamanho infinitesimal. Buracos negros são principalmente distorções no espaço-tempo e não havia espaço, nem tempo, fora do Big Bang. Resultado: nenhum colapso poderia ocorrer.
Mas será que, mesmo não sendo um buraco negro, o Big Bang não era uma singularidade? Bem, há outra coisa que impede isso de acontecer: o universo primitivo era dinâmico. Ele evoluiu e estava se expandindo.
O Big Bang não era uma singularidade
Dissemos acima que a energia escura é responsável pela expansão do universo. Ainda não se sabe o que ela é exatamente, mas se o cosmos continua se expandindo e acelerando, alguma coisa está fazendo isso acontecer e essa coisa recebeu o nome de energia escura. Impedir o universo de expandir até que tudo colapse em um buraco negro exige muito mais matéria do que a existente.
Simplesmente não existe massa suficiente no universo para fazer a gravidade superar a energia escura e atrair tudo de volta para uma singularidade. É por esse mesmo motivo que o cosmos não colapsou de volta após o Big Bang e, até onde se sabe, não vai colapsar no futuro.
Por fim, o modelo inflacionário não permite retroceder no tempo até o universo ficar compacto em uma singularidade. Isso é devido à própria natureza exponencial da inflação cósmica — mesmo que voltemos uma infinidade de tempo no passado, o espaço só se aproximará do tamanho infinitesimal e da densidade infinita que definem a singularidade. Ou seja, nunca alcançará de fato essas proporções.
Enquanto parte da comunidade científica resistia às novas propostas do modelo inflacionário, outros começavam a aceitar que, se o modelo fosse validado, o Big Bang como singularidade precisava ser descartado. As duas coisas são conflitantes e não podem “conviver” na mesma teoria.
Cada vez mais os físicos encontram evidências que validam o modelo inflacionário. Ele não apenas faz previsões observáveis como resolvem problemas que o Big Bang singular não explica. A má notícia é que a natureza da inflação cósmica não nos permite saber o que aconteceu antes. A inflação pode ter durado tempos incontáveis, ter sido um período curto, ou até mesmo vários períodos e fases.
Por enquanto, não se conhece nenhum meio de saber sobre essa fase do nosso universo. Será que antes da inflação houve uma singularidade? Simplesmente não há sequer como teorizar sobre isso — ao menos por enquanto.
Fonte: Space.com, Grande Pensamento
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